quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Pontos negros/ Vozes

"A forma como me libertei da voz foi incrivelmente simples. Coincidiu com a época em que me libertei de umas dores musculares que sentia na nuca. Por minha decisão, deixei de ouvir a voz. Decidi subtraí-la. Não parei de avaliar a pertinência do que dizia, não comecei a contrariá-la em tudo, porque a voz deixou de existir. Criei um lugar de vácuo e atirei-a para lá. Esse lugar está selado por camadas e camadas de Zé Luis. Não sei com exactidão qual a matéria que impede a voz de chegar aos meus ouvidos interiores; sei, no entanto, que essa matéria é constituída por algo que encontrei em mim, uma espécie de minério, um filão desse minério. Alerta: metáfora de gosto duvidoso. A voz continua a existir, mas não voltou a assombrar-me. Hoje, sou eu que me rio dela, do seu snobismo, da sua mesquinhez. Mas o futuro vai chegar a qualquer momento. Por isso, este texto fica aqui, como uma espécie de mapa. Se a voz voltar algum dia, irei relê-lo para que nunca me esqueça de mandá-la embora imediatamente. E viver."
         retirado de "Abraço" de José Luís Peixoto-" Lá estás tu"

Pontos negros
Acrilico s/ papel / 68x50cm / pra venda

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